O sabor da vida



Agora,
um novo ano se inicia.
O outro, feito taça vazia,
lançada à lareira do tempo,
se estilhaça num movimento.
 
Nessa hora,
que seja descartado o velho,
totalmente vazio – sem restos.
Que tenha sido sorvido, dia a dia,
toda gota, até o último gole de vida.
 
Porque
vida não é tempo transcorrido,
mas cada momento experimentado,
cada nuance de sabor, doce ou amargo,
que nos deixa na alma o gosto de ter vivido.

Beleza verdadeira


À medida que a gente cuida da própria alma, ela vai ficando naturalmente mais saudável, plena e bonita. E a beleza dessa plenitude se expressa no corpo da gente, e no trabalho e nas coisas que se faz, e nas relações que se tem, e no contentamento com que se saboreia a vida. Então, quanto mais contente, menos egoísta e guloso a gente fica, tem mais a oferecer do que a tomar, menos a consumir e sempre o melhor de si para dar.
Mas a maioria inverte a lógica dessa sabedoria. Tenta engolir o mundo para satisfazer o seu vazio, encaixar o corpo numa beleza artificial, insustentável, inverossímil, e enganar o espírito com bugigangas como quem engana uma criança.
“Ao natural, cresce a grama”, ensina um milenar provérbio oriental. Do seu crescimento, nada se escuta, nada se percebe imediatamente. Se pisoteada, resiste. Se cortada, ressurge. Porque seu vigor vem da raiz firmada sob a terra. Assim, o verdadeiro encanto, que provoca admiração em todos, emerge da salutar harmonia de uma autoestima bem cuidada dia a dia.

Espelhos da alma

 

A maior diferença entre o diabólico e o divino é que o Diabo a tudo quer possuir, e consumir, enquanto Deus a tudo deseja libertar e se doar. Isso porque em um está o vazio abismal e, no outro, a plenitude total.  
 
Frente a essa disputa universal, fica a pergunta, íntima, profunda, que conduz o meu autoconhecimento a um grau impactante, transformador, capaz de me metamorfosear:

Qual tendência mais influencia os meus sonhos e guia a minha conduta?
 

Coragem de viver

 

A vida é feita de escolhas, costuma-se dizer. Eu discordo desse clichê. Acho que, a bem da verdade, a maioria das pessoas se deixa levar apenas pelas circunstâncias.
 
Aliás, na realidade, talvez o clichê tenha lá sua razão. Talvez a vida só se faça vida, mesmo, para quem não tem medo de tomá-la nas próprias mãos.
 
 

A força da sabedoria

  

Sofrimento é a dor que ultrapassa as fronteiras do corpo para invadir a alma da gente.
 
Mas se for sábia a alma que sofre, ao invés de se digladiar com o severo invasor, machucando-se ainda mais, ela o receberá com resignação, beberá do seu cálice, sorverá as suas lições, tomando para si a força do agressor. 
 
Ele definhará aos poucos, com o tempo. Ela crescerá, ampliando os domínios seus. 
 
Por isso, podemos interpretar o que Jesus disse: “Bendito o espírito humilde, porque nele se expandirá o reino de Deus”.
 

Milagres do coração

 






Por causa dos religiosos mercadores, as pessoas de hoje, mais do que antes, atribuem à fé o conceito de mercadoria. Mais e melhor terá, quem mais e melhor pagar.
 
Mas de todos os tesouros do Universo, reflita, do que mais precisaria Deus de ti, para operar as suas maravilhas, senão um coração simples e aberto?
 

Onde nasce o amor

 
Foi difícil, admito, mas com o tempo eu aprendi que os amores verdadeiros, desses que correm nas veias da alma e do corpo da gente, feito riachos e rios rabiscados na carne da terra, a fecundá-la por suas fluentes, nascem todos de uma fonte única: o amor-próprio. 
 
Não à toa, Jesus ensina que o princípio, a nascente de toda virtude, onde cada pessoa encontra o seu valor genuíno, se resume no amor a Deus e ao próximo “como a si mesmo”. Afinal, que parâmetros alguém pode ter para amar qualquer outro ser, com generosidade e aceitação, quando resiste a abrir para si mesmo o próprio coração?

Decisões

 
Oportunidades são como joio e trigo. 
Há de se pensar no longo prazo para discernir entre as boas e as ruins.
 

 

O descompasso da ansiedade

 
Tantas vezes eu caí em descompasso, perdi a sincronia com a vida, tangi tempos errados. Tantas vezes eu me vi preocupado com aquilo que ainda não havia acontecido, no afã inglório de obrigar as coisas a se encaixarem exatas nos arranjos dos meus desejos. E outras tantas eu sofri pós-ocupado com aquilo que já havia acontecido, na vã tentativa de resgatar coisas que se foram para mudá-las conforme os meus anseios. Cenas repassadas, em dezenas e dezenas de versões, sem jamais chegar à edição final, sem jamais retratar a vida real.
 
A ansiedade entorpece a alma com ilusões, seduz o coração para longe do tempo presente, faz a gente acreditar na possibilidade de alterar o que está fora do alcance das mãos. Ora no futuro, ora no passado, com menor ou maior intensidade, o ansioso sai do ritmo, embaralha a música da vida, cria sua própria cacofonia. E deixa de colher o doce fruto maduro, e de amar quem realmente merece, e perde a chance de desfrutar o instante, e de conhecer a grande sabedoria do agora.
 
Eu quero a plenitude de cada hora, quero reconhecer que tudo tem o seu tempo determinado, quero ter do passado a matéria-prima, o aprendizado, e do futuro, a inspiração, o sussurro encantado, para me entregar ao momento e dele tirar o acorde mais excitante. Quero compor uma obra de arte, tocar as cordas do presente como quem dedilha suavemente a pele cálida da pessoa amada. Porque, ao quedar as cortinas dos meus olhos, quando ressoar a última batida do meu coração, eu quero ouvir o derradeiro som com o prazer indizível de quem fez do conjunto da vida uma sinfonia, um trabalho único, nota a nota, dia a dia.
 

O valor de cada um

 

O abade se aproximou do noviço e tomou lugar ao seu lado no banco do jardim.
 
– Notei que você está enfrentando dificuldade para se relacionar com algumas pessoas.
 
– Acho que o senhor não observou direito.
 
O velho mestre se limitou a erguer uma das sobrancelhas.
 
– Algumas pessoas enfrentam dificuldade para se relacionar com quem tem opinião própria... E eu não vou mudar o meu jeito de ser por causa delas.
 
– Hum... Compreendo... Mas se você está tão seguro de si e das suas opiniões, por que precisa se impor dessa maneira?
 
E arrematou:
 
– A pessoa que faz de tudo para se impor, tentando a todo custo provar seu valor, é aquela que, por amargas experiências, lá no fundo, foi levada a duvidar dele.
 
O moço perdeu a fala. Uma mistura de sentimentos formou nó em sua garganta. Aquele homem havia ultrapassado facilmente as suas barreiras para, com ternura incomum, tocar em seu íntimo.
 
– Ser autêntico – prosseguiu o mestre –, num mundo onde todos tentam se ajustar a padronizações, é uma das maiores e mais importantes realizações humanas. Neste ponto eu concordo com você. Entretanto, autenticidade exige humildade, humildade para admitir que o próprio ser não está pronto e, em resposta, passar a construí-lo diante dos olhos das pessoas, com todos os erros e acertos que isso implica.
O abade fez uma pausa, seu olhar se distanciou, como se deixasse de enxergar as coisas ao redor para contemplar suas memórias.
 
– Sabe, filho, eu descobri que é nesse processo que a gente aprende a se amar, porque descobre qualidades valiosas em si mesmo. Daí, já não precisa provar coisa alguma a ninguém, nem lutar por aceitação, pois o nosso valor se expressa com naturalidade. 
 
Então, tornou a olhar nos olhos do noviço e concluiu:
 
– Ao reconhecer e aprimorar as nossas qualidades pessoais, a gente se dá valor de verdade. E quanto mais valor a gente se dá, mais valor a gente tem.
 
 

Tempo ao tempo

 

Lá pelo fim do século 19, algum homem sacou o relógio do bolso e, angustiado pelo tique-taque e o giro rápido do ponteiro dos segundos, deve ter considerado:
 
– Um dia hão de inventar um relógio sem ponteiros e sem barulho! Assim, este chato já não mais nos lembrará sem cessar da urgência da vida.
 
Hoje, quase sempre abolidos ou bem apequenados os segundos no mostrador, há silenciosos relógios digitais espalhados por todo canto. Eles nem se escondem nos bolsos, mas se agarram ao pulso das pessoas, reluzem nos aparelhos domésticos, nos veículos, em todo lugar que se vá.
 
Ah, o velho Cronos foi domesticado pela poderosa tecnologia. Feito bichinho, pode ser carregado para todo lado sem oferecer risco a ninguém. Cada vez que se mira o pobre tempo nos dígitos modernos, palitos rijos e brilhantes, ele se mostra obedientemente parado, convenientemente sem pressa, como se naquele instante estivesse congelado.
 
É... A sensação é de que o tempo já não corre. Quem corre somos nós. Medimos a nossa existência por metas, compromissos, compras e prestações a pagar. Sempre atrasados, sempre com alguma coisa a fazer ou conquistar, ficamos sem tempo para o tempo, e perdemos a consciência da sua ação sobre nós, dos limites que ele nos impõe, da brevidade da presença daqueles que amamos, da finitude dos nossos próprios dias.
 
E a gente se dá conta de que o tempo correu, e que deveria tê-lo aproveitado melhor, quando se surpreende com o final de um ano que ninguém viu passar, ou, pior, ao final de uma vida que escorreu ligeira e despercebida.
 
Ao refletir sobre isso, percebo o tiquetaquear do meu próprio coração, como se fosse uma delicada mas persistente oração, a pedir para Deus que me mantenha consciente de que a vida, a vida tem uma só urgência verdadeira: a urgência de ser vivida.
 

Agente ou reagente?

 

Na maioria das vezes, uma pessoa só pode nos fazer mal se permitirmos que ela nos afete. Quando a gente reage a uma provocação ou agressão, significa que se deixou atingir. E isso a ponto de processar seus efeitos e gerar uma resposta, inda que apenas íntima e silenciosa. Por outro lado, se a gente desenvolve maturidade para desprezar o mal, ele simplesmente permanece onde está – ou seja, na pessoa que o criou. E ali, somente ali, fará estragos.
 
Certa vez, li a narrativa de um homem que acompanhou um amigo, num domingo pela manhã, até a banca de jornal.
 
O jornaleiro, rude e mal-educado, chegou a ser ofensivo com seu péssimo atendimento. Mas o amigo dele manteve sua cordialidade natural e nem fez conta da grosseria. Enquanto iam embora, o homem não se conteve e questionou:
 
– Por que você foi tão amável com um sujeito tão estúpido?
 
A resposta saiu simples e serena:
 
– Porque eu não quero que alguém como ele determine como devo agir.
 
Quanto a nossa vida poderia avançar, se fossemos menos reagentes aos outros e mais, muito mais, agentes das nossas próprias escolhas?
 

Faxina no coração

 


Perdão é faxina que se faz no coração. Porque a morada da alma da gente não é lugar para se guardar coisas quebradas pela passagem desastrada de alguém, ou imagens envelhecidas em retratos que só trazem aperto, muito menos preservar a pegada suja de algum sapato - que sequer mereceu andar num espaço tão sagrado.
 
Perdão é limpeza que se faz sem ressentimento. Porque é gesto de amor, amor-próprio, essencial à vida que vale a pena viver, e se desdobra àqueles que a gente deseja acolher no peito, e ao Deus que vem habitar onde a pureza ergue seu templo.
 
O coração assim, livre de entulho, puro, deixa de ser depósito de amarguras, canto escuro onde se esconde e sufoca o pranto, para se transformar em refúgio iluminado, de portas e janelas abertas, fonte de paz e entusiasmo.
 
Por isso, há muito desisti de ser do tipo que teima em acumular quinquilharias, com essas velhas e decrépitas manias de juntar estorvo. Quero sempre deixar espaço em mim para acolher tudo de bom que a vida tiver a oferecer – especialmente, o novo.
 
 

Bem que podia...



 
 
 
 
 
 
Bem que a vida podia ser melhor...
Mas não será!
– enquanto ficar no “podia”.

A vida dos outros



 
 
  
Eu sempre me vejo intrigado por este enigma: Por que certas pessoas gastam o precioso e breve tempo da sua própria vida para se meter na vida alheia?
 
Talvez a resposta esteja na pergunta... Talvez esse tipo de gente não tenha, triste e simplesmente não tenha, vida própria.

Seguir em frente


 
 
 
Seguir em frente é o jeito mais simples
de deixar os trechos ruins para trás.

Pedra no caminho


A simplicidade de coração 
faz a gente se encantar 
com a amplitude do horizonte 
de modo a enxergar 
sempre, sempre mais distante, 
além da pedra no caminho.  

No limite das forças

 

A luta sem trégua faz cansar mais do que o corpo... Faz cansar o espírito. Escasseiam as forças, o ânimo escapa, fraquejam até os mais impetuosos corações... Resta apenas a vontade de desistir de uma vez, de abandonar a batalha, de tombar no caminho...

A fé, entretanto, faz a gente ir além. Porque pela fé se confia que ainda é possível sonhar, possível combater, possível conquistar. E o que parece inatingível, acaba alcançado justamente na superação dos limites, no gesto a mais de quem ousa acreditar.


Solidão


Houve tempo em que pensei a solidão
como total ausência.
Não...
Com o tempo descobri na solidão
a oportunidade da presença,
a presença de mim mesmo,
mais completa, mais consciente,
mais plena...
Na conversa silenciosa e íntima,
o autoconhecimento,
o aprofundamento da autoestima,
as descobertas das possibilidades
de autorrealização – e felicidade.
Neste ambiente de solidão,
o corpo se faz altar,
a quietude, liturgia,
comunhão,
com o Sagrado a se manifestar.
Como o velho Erasmo bem sabia:
“Vocatus atque non vocatus, Deus aderit”
– Evocado ou não, Deus está presente.
Principalmente
quando o espaço se abre aconchegante
na solitude do coração.

No pomar do coração

 



Sentimento é reação do instinto. Pode brotar de mansinho ou explodir no coração, pode ser gostoso ou aflitivo, inspirar amor ou irritação... Inevitável reagir emotivamente às coisas que a gente vivencia.

O importante, mesmo, está em aprender a discernir qual sentimento se rega e qual se poda, porque isso determina o que a gente colhe...

Ou, inversamente, o que a gente arruína.

Coisas de viagem




Está nos preparativos a graça da viagem,
nos planos que se traça antes dos começos
e recomeços,
na ansiedade dos tempos de espera,
e nas saudades do que fica para trás...
Além, é claro,
da emoção substantiva da jornada.
A chegada,
a chegada é quando todo sonho e frustração
se concretiza
e toda expectativa
se finda.
Ali, bagagem na mão,
a gente avalia
(nada mais há que fazer)
se valeu a pena ou não,
enquanto os anjos suspiram:
– Ah, se fosse minha a chance de viver!

Honroso silêncio


Reclama, reclama, critica tudo e todos, malicia ações e intenções alheias, feito mosca com asa quebrada girando em torno de si, desprovida de qualquer importância senão o seu enjoativo zumbir.
 
Melhor se fosse abelha, com o seu jazz e coreografia da esperança, apontando o caminho das flores, dos perfumes e cores, das volúpias das formas e texturas, dos sabores adocicados nos campos transbordados de vida.
 
Ou, ao menos, mariposa, com seu ignoto, mas honroso, silêncio.


Pense bem






Se somos o que pensamos,
o mundo será o que ensinarmos
as próximas gerações a pensar.

Golpes da vida



Ser humano é ser em construção. Então, em vez de se deixar abater por causa desse ou daquele defeito, de uma e outra aresta, aqui e ali, de um certo jeito torto de agir, por tanta coisa imperfeita que a gente vê quando mira o espelho da consciência, o melhor a fazer é permitir que os golpes da vida sirvam como os de um hábil escultor. Porque, indiferentes à dor que infligem, removem as partes brutas para revelar uma beleza tal que, no fundo a gente sabe, somente as divinas mãos daquele que planejou a obra são capazes de revelar.

O tempo de cada um





O tempo do corpo da gente é o tempo das luas e estações. Ele avança num ritmo matemático, preciso, inalterável. Mas com o espírito é diferente. O espírito tem outros tempos, com cadências próprias, que se movem conforme a intensidade que a gente dedica à vida.

O poder da língua



O leme se dobra... Mesmo pequeno e oculto sob as águas, determina o rumo do imponente navio a cortar as ondas. Assim é a língua humana, reflete São Tiago. Tão pequena, mas com poder capaz de sentenciar destinos. Quem aprende a controlá-la, aprende a guiar a própria existência pelos mares da vida... E o que é igualmente importante: Aprende a navegar sem atravessar o caminho dos outros!

Ponto de orientação




O reino de Deus é uma fortaleza, contraponto seguro nesta jornada de constantes incertezas. Ele deve se erguer nas terras do coração, e ocupar o monte mais alto, no lugar, de todos, mais visível. Porque, assim, mesmo nos momentos de terrível escuridão, graças às suas luzes, este nosso espírito viajante, e até algum outro, de algum semelhante, sempre pode encontrar nele o seu ponto de orientação. 

A irrazoabilidade das razões


 
 
Cada um de nós
tem as suas próprias razões.
E elas nos impedem
de ser razoáveis
uns com os outros.