Lá pelo fim do século 19, algum homem sacou o relógio do bolso e, angustiado pelo tique-taque e o giro rápido do ponteiro dos segundos, deve ter considerado:
– Um dia hão de inventar um relógio sem ponteiros e sem barulho! Assim, este chato já não mais nos lembrará sem cessar da urgência da vida.
Hoje, quase sempre abolidos ou bem apequenados os segundos no mostrador, há silenciosos relógios digitais espalhados por todo canto. Eles nem se escondem nos bolsos, mas se agarram ao pulso das pessoas, reluzem nos aparelhos domésticos, nos veículos, em todo lugar que se vá.
Ah, o velho Cronos foi domesticado pela poderosa tecnologia. Feito bichinho, pode ser carregado para todo lado sem oferecer risco a ninguém. Cada vez que se mira o pobre tempo nos dígitos modernos, palitos rijos e brilhantes, ele se mostra obedientemente parado, convenientemente sem pressa, como se naquele instante estivesse congelado.
É... A sensação é de que o tempo já não corre. Quem corre somos nós. Medimos a nossa existência por metas, compromissos, compras e prestações a pagar. Sempre atrasados, sempre com alguma coisa a fazer ou conquistar, ficamos sem tempo para o tempo, e perdemos a consciência da sua ação sobre nós, dos limites que ele nos impõe, da brevidade da presença daqueles que amamos, da finitude dos nossos próprios dias.
E a gente se dá conta de que o tempo correu, e que deveria tê-lo aproveitado melhor, quando se surpreende com o final de um ano que ninguém viu passar, ou, pior, ao final de uma vida que escorreu ligeira e despercebida.
Ao refletir sobre isso, percebo o tiquetaquear do meu próprio coração, como se fosse uma delicada mas persistente oração, a pedir para Deus que me mantenha consciente de que a vida, a vida tem uma só urgência verdadeira: a urgência de ser vivida.