O descompasso da ansiedade

 
Tantas vezes eu caí em descompasso, perdi a sincronia com a vida, tangi tempos errados. Tantas vezes eu me vi preocupado com aquilo que ainda não havia acontecido, no afã inglório de obrigar as coisas a se encaixarem exatas nos arranjos dos meus desejos. E outras tantas eu sofri pós-ocupado com aquilo que já havia acontecido, na vã tentativa de resgatar coisas que se foram para mudá-las conforme os meus anseios. Cenas repassadas, em dezenas e dezenas de versões, sem jamais chegar à edição final, sem jamais retratar a vida real.
 
A ansiedade entorpece a alma com ilusões, seduz o coração para longe do tempo presente, faz a gente acreditar na possibilidade de alterar o que está fora do alcance das mãos. Ora no futuro, ora no passado, com menor ou maior intensidade, o ansioso sai do ritmo, embaralha a música da vida, cria sua própria cacofonia. E deixa de colher o doce fruto maduro, e de amar quem realmente merece, e perde a chance de desfrutar o instante, e de conhecer a grande sabedoria do agora.
 
Eu quero a plenitude de cada hora, quero reconhecer que tudo tem o seu tempo determinado, quero ter do passado a matéria-prima, o aprendizado, e do futuro, a inspiração, o sussurro encantado, para me entregar ao momento e dele tirar o acorde mais excitante. Quero compor uma obra de arte, tocar as cordas do presente como quem dedilha suavemente a pele cálida da pessoa amada. Porque, ao quedar as cortinas dos meus olhos, quando ressoar a última batida do meu coração, eu quero ouvir o derradeiro som com o prazer indizível de quem fez do conjunto da vida uma sinfonia, um trabalho único, nota a nota, dia a dia.