Cara e coração



Ouvi dizer que após se despedir de certo jornalista, a quem havia concedido entrevista, Abraham Lincoln comentou com a sua secretária:

– Não vou com a cara desse sujeito.

– Senhor presidente, ninguém é culpado pela cara que tem.

– Depois de grande, todo mundo se torna responsável pela cara que tem.

Tinha razão o Lincoln. De alguma forma acaba escapando, hora ou outra, nesta ou naquela expressão, numa ou noutra palavra, gesto ou ação, a genuína face de uma pessoa. E a verdade do ditado está no seu avesso, feito a máscara da hipocrisia, pois quem vê cara, se prestar atenção, também vê coração. 

Ao fim da jornada





“Apesar de tantas provas, minha idade avançada e a grandeza de minha alma me levam a julgar que está tudo bem”, considera o rei Édipo, ao fim da tragédia escrita por Sófocles. 

Se ao final da jornada a experiência, toda experiência, sobretudo as provações, tiver conduzido a alma à grandeza, então perceberemos mais claramente que houve um propósito. E, uma vez satisfeito o propósito, estará tudo bem, apesar das desventuras próprias da aventura de viver.  

Silêncio...




O silêncio... É preciso entulhar o silêncio, enterrá-lo em escombros, silenciá-lo a qualquer custo!

Nem que seja com música ruim, com risos falsificados pela bebida, com a televisão a tagarelar sozinha, com tanta preocupação sem-fim que se arruma por aí, com essas conversas intermináveis entre surdos nas quais se costuma tanto investir...

Mesmo assim, quando nos damos por conta, o susto! Ele aparece do nada e nos atormenta. Assombrado, esse miserável chama vozes do além, que sobem do fundo da nossa consciência e – que absurdo! – nos fazem pensar sobre nós mesmos!

Propósitos




“Me corrói a angústia, noite e dia, pois não consigo entender qual propósito tinha Deus ao permitir que isso acontecesse comigo.”

Em resposta, o velho sábio puxou um sorriso no canto dos lábios para então devolver:

“Já lhe ocorreu que Deus esteja esperando que você dê um propósito ao que aconteceu?”

Revolta


Ao refletir sobre a existência, Albert Camus concluiu que só há um jeito de viver plenamente: Revoltando-se! Não, não se trata da revolta por rancor, amargura, frustração. Nem tampouco da luta armada ou do jogo de artimanhas para derrubar desafetos. O que nos leva a enfrentar os aspectos sombrios da realidade é o sonho, o sonho acordado, utópico, iluminado de esperanças.

Não foi assim com Jesus? Todo mundo, à sua volta, acreditava na espada, vingadora de toda e qualquer opressão. Menos ele. Ele acreditava no poder do reino de Deus, nas forças transformadoras da fé, nas mudanças que se operam de dentro para fora.

A revolta legítima, revolucionária, digna da natureza humana feita à imagem divina, é aquela do coração que insiste e persiste em olhar além. Além das mazelas herdadas no próprio DNA e na mentalidade aprendida, além da absurdez dos acontecimentos aleatórios e incausados, além das injustiças e perversidades mundanas, até mesmo além das circunstâncias mais difíceis e dolorosas. 

Revoltar-se é a ousadia de se inconformar, dar a volta por cima daquilo que limita, definha, desencanta, para se reencantar com a vida. Revoltar-se é voltar a ter a simplicidade de coração da criança que acredita na beleza, na força do bem, na felicidade. E, como criança, voltar a ser representante do reino divino, levando, inclusive aos confins dos domínios da desesperança, a boa nova de que o futuro sempre será melhor para quem se atreve a sonhar. 

O valor da amizade

 
O cão Terfel, que completou 8 anos em 2012, na Inglaterra, ficou cego e já não saía mais da sua cama. A sua dona arranjou uma gatinha, a quem deu o nome de Pwdidat. Assim que conheceu o cachorro, a gata compreendeu o seu drama. Compadecida, colocou-se sob o pescoço dele e surpreendentemente o ajudou a chegar ao jardim da casa. Desde então, Terfel pôde contar com Pwdidat como guia e amiga... E isso o fez voltar a viver.
 
Esta notícia me põe a refletir...
 
De onde vêm a generosidade, a misericórdia, a solidariedade? De onde brotam os sentimentos e gestos que contrariam o naturalismo absolutista, apregoador da lei do mais forte? De onde surgem estas coisas gratuitas e altruístas que colorem a existência universal em tons incontáveis de amor?
 
Ao deixar vestígios da graça divina, o bem que existe em nós e permeia toda a criação nos convida à fé e esperança, pois sussurra em nossos ouvidos que o mal sempre pode ser superado e a vida, sair triunfante.